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sábado, 22 de dezembro de 2012

O aluno

São meus todos os versos já cantados:
A flor, a rua, as músicas da infância,
O líquido momento e os azulados
Horizontes perdidos na distância.
Intacto me revejo nos mil lados
De um só poema. Nas lâminas da estância,
Circulam as memórias e a substância
De palavras, de gestos isolados.
São meus também os líricos sapatos
De Rimbaud, e no fundo dos meus atos
Canta a doçura triste de Bandeira.
Drummond me empresta sempre o seu bigode.
Com Neruda, meu pobre verso explode
E as borboletas dançam na algibeira.
José Paulo Paes

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Ecos do coração




Percebes as ondas a sufocar meus pensamentos
Viras o rosto lambuzando-se de disfarces...
Será verdade tua inquietação à beira do precipício?

Que posso te dizer no vazio do teu olhar

Cerrando portas e sentimentos?

Percebes a solidão cercando a sensatez...

Prossegues rejeitando a ternura...
Agora, deixa-me viver em teu deserto...

O que me basta?

Deixa-me em silêncio à escuta plena da saudade,
Imersa no anoitecer a revelar-te... 



Resom



Vicente Romero Redondo

As palavras pesam.
Um texto nunca diz a dor das pequenas coisas,
Do quotidiano entrincheirado entre compromissos,
Das tramas afectivas, do exílio anunciado
No andar inquieto das mulheres.

De rosto em rosto, a caligrafia do amor
implorou a memória das palavras encantadas
e, como se houvesse uma linguagem
de atravessar o tempo, acenderam,
sobre os dias, constelações sonoras.
Mas eu, que não adiro aos calendários
nem acredito em vogais prometidas,
eu parti, de punhos febris,
enlaçando nos braços
um futuro marginal, a qualquer lógica.
A posse da noite, onde me quero lua em todas as fases,
leva-me a glosar os medos num novelo de rimas imperfeitas.
A cidade tem pombas que me perseguem sem eu dar por isso.
Tenho um aqueduto modelado nos olhos
e um dilúvio vermelho no desenho do peito.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Dos teus Beijos












Como no palco o ator que é imperfeito
Faz mal o seu papel só por temor,
Ou quem, por ter repleto de ódio o peito
Vê o coração quebrar-se num tremor,
Em mim, por timidez, fica omitido
O rito mais solene da paixão;
E o meu amor eu vejo enfraquecido,
Vergado pela própria dimensão.
Seja meu livro então minha eloqüência,
Arauto mudo do que diz meu peito,
Que implora amor e busca recompensa
Mais que a língua que mais o tenha feito.
Saiba ler o que escreve o amor calado:
Ouvir com os olhos é do amor o fado

William Shakespeare

Conto De Fadas



Eu trago-te nas mãos o esquecimento
Das horas más que tens vivido, Amor!
E para as tuas chagas o ungüento
Com que sarei a minha própria dor.

Os meus gestos são ondas de Sorrento...
Trago no nome as letras duma flor...
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento...

Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepúsculos da tarde,
O sol que é de oiro, a onda que palpita.

Dou-te, comigo, o mundo que Deus fez!
Eu sou Aquela de quem tens saudade,
A princesa de conto: "Era uma vez..."


Florbela Espanca