Seguidores

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O amor

O Amor

O AMOR, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar para ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Para saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

Fernando Pessoa

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Rústica

Ser a moça mais linda do povoado,
Pisar, sempre contente, o mesmo trilho,
Ver descer sobre o ninho aconchegado
A bênção do senhor em cada filho

Um vestido de chita bem lavado,
Cheirando a alfazema  e a tomilho...
Com o luar matar a sede ao gado,
Dar às pombas o sol num grão de milho...

Ser pura como a água da cisterna,
Ter confiança numa vida eterna
Quando descer à terra da verdade...

Meu Deus dai-me esta calma, esta, pobreza!                                                                                             
Dou por elas meu trono de princesa,
E todos os meus reinos de ansiedade.

    Florbela Espanca


                                                                                                                                                                       

Espera

Não me digas adeus, ó sombra amiga,
Abranda mais o ritmo dos teus passos:
Sente o perfume da paixão antiga,
Dos nossos bons e cândidos abraços!

Sou dona de místicos cansaços...
A fantástica e estranha rapariga
Que um dia ficou presa nos teus braços...
Não vás ainda embora, ó sombra amiga!

Teu amor fez de mim um lago triste:
Quantas ondas a rir que não lhe ouviste,
Quanta canção de ondinas lá no fundo!

Espera... espera... ó minha sombra ...
Vê que pra além de mim já não há nada,
E nunca mais me encontras neste mundo!

         Florbela Espanca