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domingo, 30 de setembro de 2012

Quando anoitece

Quando anoitece
contorno no meu rosto
o perfil do dia que passou
e tudo o que não sou
me contradiz.

Quando anoitece
atravesso um labirinto
caiado de paixão,
pretexto circular
da minha fé.

Quando anoitece
faço emergir do abismo
um instinto quase secreto
e fujo da noite,
em vertiginosa simetria com o vento,
como se fosse um equívoco
esperar a madrugada
com a mesma lentidão
de um acto íntimo.

Contra um muro branco
esta lonjura gémea do vento.

Uma casa ou um regaço
alternando a desordem
de corpos molhados
numa dicotomia simulada
quando o prazer
é o reflexo nítido
de um coágulo de azul
queimado sobre madrepérolas.

São corais que no fundo da água
não quebram as vagas silvestres.

Nasci agora
enquanto uma andorinha
baloiçava no espelho
atravessado de pólen.

Sou, sílaba por sílaba,
o luto ou a negação
de desumanos deuses.

Quando anoitece ...

Graça Pires


O FOTÓGRAFO



Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei.Eu conto.
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabafar sobre uma casa.
Fotografei o sobre;
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a Nuvem de calça.
Representou para mim que ela andava na aldeia de
braços com Maiakovski - seu criador.
Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa mais,
justa para cobrir a sua noiva.
A foto saiu legal.

Manoel de Barros

sábado, 29 de setembro de 2012

Entre o momento e a lágrima,
Tua presença indigesta a gritar limites...
Circunstâncias exaustas...
Desliza em tuas palavras insistente perfume
A pairar em resistências no calor de teu corpo febril...

Entre o esquecimento findo e o cansaço persistente,
Tua coragem em passo firme...
Desejo inflamado... 

Gesto descalço no jardim a colher sombras...
Instante (in)conformado...
Tentativa de sentir o cotidiano em curvas e murmúrios...
Na esquina da solidão...
Teu silêncio imenso na saudade.
  

 

 
                       Resom       



domingo, 16 de setembro de 2012

Labirintos do tempo





No sorriso do amanhã
O silêncio da saudade
Brada pelo reencontro
Na esperança do abraço

Almas enclausuradas
Entrelaçam os afetos
Andarilham  pelo espaço
Germinando as lembranças

Eloisa Menezes Pereira

Pétalas do coração

 Desconheço os teus soluços,
saltos e desvios...
e te encontro na penumbra deste silêncio,
a sussurrar em melodia e a deixar-me
consumir em êxtase absoluto...
(Des)conheço o pouco que viveste
ou o muito que sonhaste...
A escuta secreta dos teus venenos transtornados...
tuas fugas em escuridão desnorteada e vaga...

 Desconheço os teus soluços, saltos e desvios...
e te encontro na penumbra deste silêncio,
a sussurrar em melodia e a deixar-me
consumir em êxtase absoluto...


. Desconheço o pouco que vivesteou o muito que sonhaste...
A escuta secreta dos teus venenos transtornados...
tuas fugas em escuridão desnorteada

Desconheço o canteiro preferido o momento
 esquecido,e sugo a tua alma,
pois a minha enlouqueceu
na madrugada fria e anônima!...

ou o momento esquecido,
e sugo a tua alma,
pois a minha enlouqueceu
na madrugada fria e anônima!... 
Resom

 

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

No meio das palabras


Quando, nos lábios, começa um continente,
suspenso no apelo líquido dos beijos,
há um barco que cresce nos meus olhos
e, entre búzios verdes, escrevo água.
 
Nunca a brisa se demora entre as dunas,
onde os barcos navegam sobre a espuma.
 
Tudo é secreto, se maio se repete
nas marcas da pureza recusada.
 
Um rosto ou um rio me fascinam,
quando a raiva e o sossego
me revelam a nascente
e, no meio das palavras,
procuro apenas um gesto
ou uma sombra.
*Graça Pires* 

Soneto da Espera

Aguardando-te, amor, revejo os dias
Da minha infância já distante, quando
Eu ficava, como hoje, te esperando
Mas sem saber ao certo se virias.

E é bom assim, quiero, lembrando
Ao longo de milhares de poesias
Que te estás sempre e sempre renovando
Para me dar maiores alegrias

Dentro em pouco entrarás, ardente e loura
Como uma jovem chama precursora
Do fogo a ser atear entre nós dois

E da cama, onde em ti me dessedento,
Tu te erguerás como o pressentimento
De uma mulher morena a vir depois

       Vinicius de Moraes