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quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Alegrias de Joana *Clarice Lispector*

A liberdade que às vezes sentia. Não vinha de reflexões nítidas, mas de um estado como feito de percepções por demais orgânicas para serem formuladas em pensamentos.


O estado para onde deslizava quando murmurava: eternidade o próprio pensamento adqueria uma qualidade de eternidade.

 Aprofundava-se magicamente e alargava-se sem propriamente um conteúdo e uma forma, mas sem dimensões também.

A impressão de que se conseguisse manter-se na sensação por mais uns instantes teria uma revelação- facilmente, como enxergar o resto do mundo apenas inclinado-se da terra para o espaço.  

Eternidade não era só o tempo, mas algo como a certeza enraizadamente profunda de não poder contê-lo no corpo por causa da morte; a impossibilidade de ultrapassar a eternidade era eternidade; e também era eterno um sentimento em pureza absoluta, quase abstrato. 

Sobretudo dava ideia de eternidade a impossibilidade de saber quantos seres humanos se sucederiam após seu corpo, que um dia estaria distante do presente com velocidade de um bólido.

Definia eternidade e as explicações nasciam fatais como as pancadas do coração. Delas não mudaria um termo sequer, de tal modo eram sua verdade.

Porém mal brotavam, tornavam-se vazias logicamente.Definir a eternidade como uma quantidade maior que o tempo e maior mesmo do que o tempo que a mente humana pode suportar em ideias também não permitiria, ainda assim, alcançar sua duração.

Sua qualidade era exatamente não ter quantidade, não ser mensurável e divisível porque tudo o que se podia medir e dividir tinha um princípio e um fim.
Eternidade não era a quantidade infinitamente grande que se desgastava, mas eternidade era a sucessão.

Então Joana compreendia subitamente que na sucessão encontrava-se o máximo de beleza, que o movimento explica a forma_ era tão alto e puro gritar: o movimento explica a forma! _ e na sucessão também se encontrava a dor porque o corpo era mais lento que o movimento de continuidade
ininterrupta.

A imaginação aprendia e possuía o futuro do presente, enquanto o corpo restava no começo do caminho, vivendo em outro ritmo, cego à experiência do espírito... Através dessas percepções- por meio delas Joana fazia existir alguma coisa_ ela se comunicava a uma alegria suficiente em si mesma.
Havia muitas sensações boas. Subir o monte, parar no cimo e, sem olhar, sentir atrás a extensão conquistada,
lá longe a fazenda O vento fazendo esvoaçar as roupas, os cabelos. Os braços livres, o coração fechado e abrindo selvagemente, mas o rosto claro e sereno sob o sol. e sabendo principalmente, que a terra embaicho dos pés era tão profundo e tão secreta que não havia a temer a invasão do entendimento dissolvendo seu mistério. Tinha uma qualidade de glória esta sensação. 

Certos momentos da música. A música era da categoria do pensamento, ambos vibravam no mesmo movimento e espécie. Da mesma qualidade do pensamento tão íntimo que ao ouvi-la, este se revelava. Do pensamento tão íntimo que, ouvindo alguém repetir as ligeiras nuances dos sons, Joana se surpreendia como se fora invadida e espalhada.
 








                      
                   
                     

                                                       

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